Fintech desiste de IA para atendimento a clientes e contrata 'uberizados'
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O avanço da inteligência artificial sobre o mundo do trabalho costuma provocar dois tipos de reações diametralmente opostas.
De um lado do ringue, os entusiastas da tecnologia celebram a inevitável e gloriosa marcha do progresso. Do outro, os pessimistas de plantão não vislumbram nada além de um mundo distópico meio Matrix, meio Blade Runner — com máquinas oprimindo seres humanos.
O meio do caminho, nesse caso, parece o mais provável. É o que mostra um recente anúncio feito em maio pelo CEO da Klarna, uma importante fintech da Suécia.
Após automatizar o atendimento aos clientes e colocar no olho da rua cerca de 700 empregados, numa agressiva política de corte de custos, Sebastian Siemiatkowski voltou atrás. O motivo? A brutal queda na qualidade do serviço e a nada surpreendente explosão do número de reclamações.
Todo mundo que já teve a pouco prazerosa experiência de conversar com o robô de um banco — e ver seu problema passar longe da resolução — deveria festejar a decisão do fundador e diretor-executivo da Klarna.
Afinal, o regresso de pessoas de carne e osso a um ambiente dominado pela inteligência artificial soa como alívio em meio à constatação de que os computadores realizam com um mouse nas costas as tarefas que muitas vezes penamos para fazer.
Em outras palavras, a guerra não terminou. Vencemos a batalha da empatia e da atenção: quem em sã consciência trocaria o calor humano de funcionários motivados e bem treinados pela frieza automatizada de um software?
Só que não. O final dessa história não é um conto de fadas.
Ao comunicar a extinção da inteligência artificial no canal de atendimento a clientes da Klarna, Sebastian Siemiatkowski também detalhou as substituições. Saem os robôs, entram os trabalhadores "uberizados", nas palavras do próprio comandante da Klarna.
Em outras palavras: persistindo na estratégia de corte de custos, o atendimento aos clientes da fintech não será feito por funcionários valorizados e bem orientados, mas por trabalhadores remotos à procura de bicos na internet.
Os otimistas vão festejar: a nova aposta da Klarna é a prova de que a tecnologia pode criar postos de trabalho flexíveis e sob demanda, um exemplo virtuoso do balé da oferta e demanda neste mundo conectado e globalizado.
Mas, sejamos sinceros, os pessimistas têm mais razão. A verdade verdadeira é a de que o serviço será assumido por trabalhadores precarizados, sem quaisquer direitos trabalhistas garantidos, e remunerados na casa dos centavos para cada atendimento devidamente concluído.
O leitor pode fazer a pertinente observação de que trabalhar em call center nunca foi sinônimo de realização profissional. Mas o sistema previsto pela Klarna pisa no acelerador da precarização: continuará reproduzindo os mesmos problemas, ao mesmo tempo em que cortará os benefícios de qualquer trabalho minimamente protegido e regulado.
A inteligência artificial não vai acabar com todos os empregos. Mas a tecnologia não vai nos proporcionar o mundo prometido do papel de parede cor-de-rosa. Já você vai continuar reclamando do atendente do banco — seja o robô, seja o uberizado.
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