Josette Goulart

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Reportagem

Um vira-lata abocanhou um leão na Riviera Francesa

A propaganda é pura poesia (mesmo que cheia de segundas intenções). Dá uma lidinha aqui e me diga se não é. Quem mais testaria os diversos usos da vaselina e conferiria um selo de "verificado"? Quem mais daria um certificado de pedigree para um vira-lata caramelo? Quem botaria emoção nas legendas? Quem ficaria honrado de ser o melhor lugar do mundo para se ter herpes? E quem mudaria as apólices de seguro residencial para incluir uma cláusula contra violência doméstica? Só a propaganda tem essa beleza toda reunida.

A propaganda é a alma de todos (não só dos negócios). Por exemplo, esse título desta coluna. Aposto que tem muita gente perdida que clicou no link confiante de que ia ver um vídeo do caramelo enfrentando um leão (pior que tem vídeo meme disso por aí nas redes sociais e é muito bom). Mas esse leão que o caramelo abocanhou é um prêmio mundial de propaganda.

A campanha foi feita pela agência brasileira Almap para a marca Pedigree e está ali no primeiro parágrafo com outros casos internacionais porque todos eles ganharam o prêmio máximo do festival da criatividade de Cannes, que terminou nesta sexta-feira. Todos eles foram agraciados com leões de Titanium. (Que mané ouro!)

Mas fica comigo aqui nesta coluna especial sobre Cannes porque vou falar das campanhas e das agências brasileiras que fizeram deste um festival histórico para o Brasil. Vou falar ainda da guerrinha dos creators com os publicitários (todo mundo caminhando para morrer abraçado).

E a China em Cannes? Vocês viram? Eu nem fui para Cannes e vi!!! Falo ainda dos brasileiros que fizeram história na premiação. (Dos que fizeram papelão, falamos também). E não queria falar de IA, mas sabe como é. Termino com a guerra.

Caramelo salvou o Pernil

Aos 45 minutos do segundo tempo, o Pernil (cujo nome oficial é Marco Aurélio e é o chefe da criação da Almap) foi salvo pelo Caramelo. A Almap estava indo muito mal na premiação neste ano. Mas eis que, no fim das contas, apesar de levar poucos prêmios, a agência ganhou um dos principais leões do evento.

Na história da propaganda brasileira, só três casos, contando o caramelo, ganharam um Titanium em Cannes. "Se existia um complexo de vira-lata na propaganda brasileira, acabou este ano." O trocadilho do Pernil devidamente registrado.

O Boticário só tem olhos para a GUT

A GUT ficou bem na fita com a Renata Gomide (que manda lá no Boticário). Levou um ouro em uma categoria premium com a campanha que coloca o corpo da mulher para estudo e não para exploração sexual e um bronze com a campanha para a Vult que redesenhou os capelos de formatura para caber nos cabelos afro, com dreads, cacheados e afins. (E olha que é a Almap, e não a GUT, a principal agência de O Boticário.)

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Artplan é a nova Almap

Valeu o investimento da Artplan nos criativos que fizeram a Elis na Kombi (quando estavam na Almap). A agência (uma das poucas agências brasileiras independentes cheia de prêmios em Cannes) chegou ao fim do festival com um significativo quarto lugar entre as mais premiadas. Destaque para a campanha Corpo Preto, para o Instituto Yduqs, que retrata o preconceito médico ao tratar dos negros.

Um segundo para pensarmos na Africa

A Africa Creative este ano chegou chegando e ficou em primeiríssimo lugar entre as agências brasileiras no quadro de medalhas, digo, dos leões (verdade que a DM9 deu uma mãozinha ao se envolver em tantas polêmicas). Entre outros leões, a agência ganhou dois Grand Prix. Um deles, inclusive, em uma das principais categorias do evento, a de sustentabilidade. Para a Natura.

O outro case de sucesso foi o das músicas que tocam por um segundo, em uma campanha para a cerveja Budweiser. A ideia, ao estilo Qual é a Música, do Silvio Santos, fez muito sucesso e ganhou muitos prêmios. Mas eis que a Africa acabou se deixando levar e lá pelas tantas, ao destrinchar o case, escreveu: "Como usamos apenas 1 segundo de cada música, não precisamos pagar pelos direitos da música" (não, please, vocês não escreveram isso!!!)

Não estava em Cannes, mas aposto que alguns músicos estavam na sarjeta depois dessa.

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IA não reclama

E teve essa do Anselmo Ramos, o badalado publicitário brasileiro, fundador da GUT:

"Eu acho que a melhor dupla criativa do mundo é um brasileiro e uma IA. Pense assim: um brasileiro vai trazer diversidade, criatividade, improvisação e otimismo. E a IA vai trabalhar 24 horas por dia, sem adoecer, sem reclamar e sem pedir aumento."

Uns dez concordaram e outros dez também caíram na sarjeta, junto com os músicos.

A guerra dos creators

A essa altura da coluna, com tantas intrigas, é um bom momento para entrar na guerra dos creators x publicitários. O que tinha de creator reclamando que seus nomes não estavam nas credenciais da premiação da categoria "social & creator" não está no gibi (com razão, diga-se). Outros não acreditavam que o Nizan Guanaes tenha dito outro dia que os publicitários são creators (e eu achava que eu era creator também! Alô, tradutor, me ajuda). Confusão armada. Ainda mais depois desses dados aqui:

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  1. A WPP está prevendo que em 2025 a receita publicitária de plataformas impulsionadas por creators vai ultrapassar a receita publicitária combinada da mídia tradicional pela primeira vez na história mundial. (Os publicitários vão acabar na sarjeta?)
  2. A audiência de streaming nos Estados Unidos superou a TV a cabo e a TV aberta combinadas pela primeira vez, segundo dados da Nielsen obtidos pela publicação americana Axios.
  3. A Kantar apresentou uma pesquisa que mostra que as campanhas com creators são 40% melhores do que campanhas tradicionais.

Eu não sei, os creators estão achando que vão dominar os publicitários. Mas o mundo é das big techs (e estavam todas em Cannes). Vão acabar todos na sarjeta junto com os publicitários, os músicos, os designers, os jornalistas (que já estão lá faz tempo) e todos falando mal dos algoritmos e da IA.

Novidades no caso DM9

Cannes Lions está oficialmente investigando o que aconteceu na campanha da Consul. O pessoal da DM9 segue sem se manifestar. A imagem da agência está abaladíssima. Tanto que já tem gente botando dúvidas até em outras campanhas da agência premiadas no festival. E já soube pela imprensa internacional que teve campanha ghost da Índia também.

A essas alturas, estamos todos na sarjeta junto com a DM9 aqui no meu Hostel Martinez. Leia aqui.

Só quem não está na sarjeta é quem?

A China, claro.

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Não tem nem dois anos que eu cubro marketing. Só fui para Cannes uma vez (no ano passado, diga-se). Mas o que me chamou a atenção no festival é que não tem propaganda chinesa relevante nem em shortlist, quem dirá ganhando prêmio. Este ano, achei uma palestra dos chinos (vi online, tomando meu ki-suco de morango), em um espaço alternativo do evento. Anotei seis coisas beeeem importantes que divido com vocês:

  1. Eles não ganham leões (foram uns cinco ano passado, nenhum ouro. E neste ano, a performance não melhorou muito. A título de comparação o Brasil ganhou 107). Mas suas marcas estão ganhando o mundo.
  2. Elon Musk riu da BYD há alguns anos. Foi convidado de honra de Cannes no ano passado. Neste ano, a BYD ultrapassou a Tesla. (Eles fizeram questão de contar esse episódio.)
  3. Cannes exigiu que, entre os três palestrantes chineses, pelo menos um fosse mulher. E a diretora de marketing da Midea, Renee Huang, fez questão de contar isso ao público. "Caso contrário, seria o CMO que estaria aqui."
  4. Os três segredos do marketing da Midea, segundo Renee: antes, a China tinha um único produto para o mundo inteiro e controlava tudo; agora, decide com o time local. Antes, a China apenas traduzia seus anúncios; agora, usa conteúdo local. Antes, a China só competia em preços; agora, ganhou a confiança premium dos consumidores.
  5. Para o CMO da Yili, uma empresa de laticínios chinesa, a lógica se inverteu e o consumidor é quem dita a propaganda. Ok, isso aconteceu no mundo todo. Mas, num país em que um consumidor é impactado por 10 mil propagandas por dia (segundo dados fornecidos por Yan Zhang, o tal CMO da Yili), essa lógica parece adquirir uma conotação diferente. 10 mil anúncios por dia???? Como diz a figurinha: Hoo Lee Sheet.
  6. O que é a IA na propaganda para eles? Um telefone para ligar para os consumidores e entender o que eles querem.
    Tá bom para vocês? Eu fiquei reflexiva.

A propaganda de guerra

A propósito, enquanto Cannes rolava na Riviera Francesa, a guerra entre Irã e Israel corria (e corre) solta. E adivinha? Tem propaganda na guerra também (não tô dizendo que a propaganda é a alma de tudo?). E adivinha o nome que Israel deu para a operação em que atacou o Irã? Rising Lion. O leão não descansa até saciar sua fome.

E, nos Estados Unidos, a propaganda no momento é a do No Kings (o lema dos protestos contra as medidas anti-imigrantes de Donald Trump).
Lions. No Kings. Cannes Lions. Acho que vou ali na sarjeta usar a IA para ligar para os consumidores.

Reportagem

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