Mariana Barbosa

Mariana Barbosa

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Assalto com desconto em folha do INSS e o fim do imposto sindical

A deflagração da operação Sem Desconto pela Polícia Federal mostrou que, no Brasil, aposentados e pensionistas agora não precisam mais sair de casa para serem assaltados. Essa nova modalidade de "assalto com desconto em folha" do INSS parece ser intrínseca à política pública de oferecer "benefícios" para os aposentados e pensionistas por meio de associações e entidades sindicais.

Afinal, por que mesmo o INSS precisa fazer convênios para oferecer benefícios que beneficiam mais as associações conveniadas do que os próprios segurados?

Os descontos automáticos na folha de aposentados e pensionistas do INSS vêm em um crescendo desde 2017, mesmo ano em que a Reforma Trabalhista, aprovada no governo de Michel Temer, acabou com o imposto sindical, o desconto compulsório na folha do trabalhador. Naquele ano, segundo a CGU (Controladoria Geral da União), os descontos automáticos nos benefícios do INSS somaram R$ 460 milhões. Esse número subiu para R$ 617 milhões no ano seguinte. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o volume ficou no mesmo patamar (R$ 604 milhões). Recuou na pandemia e voltou a subir em 2022, quando somou R$ 706 milhões. Mas foi no governo Lula, com o controle do PDT do agora ex-ministro Carlos Lupi sobre a pasta da Previdência, que os descontos dispararam, alcançando R$ 1,3 bilhão em 2023 e R$ 2,6 bilhões em 2024.

Com o INSS, antigos representantes do meio sindical parecem ter encontrado um novo meio de subsistir.

Em 2019, acendeu-se um alerta de fraude em Brasília e houve uma tentativa de coibir minimamente a farra: a edição de uma Medida Provisória estabelecendo que os aposentados precisariam confirmar a autorização do desconto anualmente. Mas o Congresso Nacional afrouxou a tentativa de controle ao alterar a redação para que essa revalidação fosse feita a cada três anos, sendo a primeira prevista só para 2025.

O INSS ainda não conseguiu cumprir a promessa de campanha de Lula de zerar a fila de análise de novos benefícios, mas não faltou empenho para firmar convênios e acordos de cooperação com associações, sindicatos e instituições financeiras, franqueando acesso aos dados e à folha dos aposentados e pensionistas.

A política de convênios não apenas lesou os segurados, como sobrecarregou os próprios funcionários do INSS, que tiveram que lidar com uma enxurrada de pedidos de exclusão. Somente de janeiro a maio do ano passado, segundo auditoria interna do INSS anexada à investigação da PF, o órgão recebeu 1,9 milhão de pedidos de exclusão de descontos indevidos.

O então presidente do INSS Alessandro Stefanutto, demitido após a deflagração da operação, tentou lidar com essa sobrecarga criando um "sistema simples de retirada do desconto na hora". Finalmente, o cidadão que descobre um desconto indevido pode entrar no sistema do Meu INSS e bloquear descontos futuros, sem precisar perder tempo no canal de reclamação. Ufa!

E o cidadão que não descobriu o desconto pois tem idade avançada, saúde debilitada ou não é digitalmente letrado?

Continua após a publicidade

Alertado das fraudes pela CGU, o INSS passou a desenvolver um sistema de biometria para coibir as fraudes — sistema caro que não precisaria existir se os tais convênios não existissem. Nenhuma biometria ou autenticação de dois, três ou quatro fatores será capaz de impedir descontos indesejados ou fraudulentos em um sistema que foi desenhado com a (má) intenção de assaltar os aposentados.

Além da queda do ministro Lupi e de Stefanutto, o governo determinou o bloqueio geral dos descontos a partir deste mês. Não se sabe se os descontos vão voltar após a exclusão das entidades que estão na mira da Polícia Federal ou com promessas de aprimoramento de sistemas antifraude.

Apenas reduzir o risco de fraude passa ao largo do cerne da questão. É preciso discutir se é função do INSS fazer convênios que só reduzem a (parca) renda do aposentado.

No caso de haver entidades ilibadas que prestem serviços que gerem valor para esse público, estas deveriam ser capazes de buscar filiados sem precisar da ajuda do governo. Ao franquear acesso e permitir descontos automáticos sem qualquer controle, o INSS praticamente reinventou o imposto sindical com desconto compulsório para a categoria dos aposentados e pensionistas.

Talvez fosse desejável ao INSS escolher melhor as parcerias — mas o órgão tampouco tem estrutura para fiscalizar tantos parceiros cuja sede, muitas de fachada, estão espalhadas pelo país. Se não há capacidade para fiscalizar, não deveria haver a possibilidade de firmar esse tipo de convênio.

Mas a criatividade do INSS em criar supostos benefícios é grande. No final do ano passado, Lupi e Stefanutto criaram o programa Meu INSS Vale+, prometendo uma antecipação dos vencimentos, supostamente sem tarifas, juros ou qualquer custo para o segurado, por meio de um cartão físico. Um crédito sem chamar de crédito — e que foge do cálculo do comprometimento da renda já altamente comprometida pelos créditos consignados. O cartão físico — e não o dinheiro na conta — foi o meio encontrado para garantir que o dinheiro não seria usado para apostas, por exemplo.

Continua após a publicidade

Semanas depois do anúncio do programa, o valor do limite da antecipação triplicou, para R$ 450, e o INSS autorizou que o dinheiro fosse liberado "por qualquer outro meio", ou seja, na conta. Como revelou a coluna, o PicPay se habilitou e passou a antecipar os recursos, cobrando taxas de até R$ 20,90 para fazer a antecipação. O que era "benefício" logo se transformou em mais uma oportunidade de transferência de renda tipo Robin Hood às avessas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.

OSZAR »