Camila Maia

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Opinião

Blecaute na Espanha acirra debate político sobre energia limpa

Passadas mais de 48 horas do pior blecaute da historia da Espanha e de Portugal, as autoridades ainda não apresentaram explicações concretas para o evento. A demora escancara o desafio de comunicar questões extremamente técnicas à sociedade afetada.

O silêncio, ainda que justificado pelo fato de as investigações ainda estarem em curso, abriu espaço para todo tipo de especulação, incluindo teorias sobre ciberataques e questionamentos ideológicos sobre o papel das energias renováveis na confiabilidade do sistema elétrico.

Colapso na rede ibérica

As empresas que operam as redes de Portugal e Espanha afirmaram até o momento que a origem do apagão estaria ligada a uma "oscilação repentina de fluxos de potência" que separou o sistema elétrico Ibérico do restante da Europa. A rede entrou em colapso segundos depois, interrompendo o fornecimento em quase todo o território da Espanha e Portugal.

Ontem, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse que o país perdeu 15 GW de geração de eletricidade em questão de segundos, mas ainda não se sabe os motivos disso.

Em sistemas elétricos, a geração precisa estar sempre equilibrada com o consumo, para que a frequência da rede se mantenha estável — na Europa, esse valor é de 50 Hz, e no Brasil, de 60 Hz. Uma redução brusca na geração ou no consumo desestabiliza essa frequência. Se o operador não agir rapidamente, o sistema pode entrar em colapso.

Na Espanha, essa oscilação brusca resultou no corte do consumo, e o efeito cascata foi o corte de Portugal e também de parte do Sul da França, que naquele momento importava energia elétrica do país vizinho.

O motivo dessa oscilação deve, provavelmente, ser uma combinação de fatores, tal qual aconteceu no Brasil em agosto de 2023. As renováveis não são o motivo dos problemas, mas como são fontes de geração intermitentes, a presença cada vez maior nas redes cria desafios para a manutenção da sua estabilidade.

Desafios na operação de sistemas renováveis

Fontes renováveis como solar e eólica não são a causa direta dessas falhas, mas sua presença crescente nas redes impõe novos desafios técnicos. Por serem intermitentes e conectadas por inversores, essas fontes não oferecem resposta inercial automática em situações de oscilação, o que exige novas estratégias para garantir estabilidade.

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No Brasil, em 2023, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) levou semanas conduzindo análises sobre o apagão para encontrar a razão do evento: os dados oficiais sobre funcionamento dos equipamentos de controle de tensão das geradoras renováveis, fornecidos pelas usinas renováveis ao operador, não corresponderam ao seu desempenho real.

A explicação técnica trouxe mais dúvidas do que respostas, e acabou interpretada como uma responsabilização das renováveis. De fato, os sistemas elétricos com maior inserção de renováveis no mundo todo estão buscando maior disponibilidade de recursos flexíveis, que podem ser hidrelétricas, termelétricas ou até mesmo baterias. Há ainda equipamentos cada vez mais modernos que podem ser instalados nas redes para aumentar sua resiliência.

Mais uma vez, é o caso do Brasil, que planeja fazer este ano dois leilões para contratar flexibilidade, um voltado para hidrelétricas e termelétricas a gás, e outro para armazenamento na forma de baterias. O ONS também apontou a necessidade de reforço de linhas de transmissão e da instalação de equipamentos adicionais que ajudem nessa resiliência da rede.

Apagão polarizado

A polarização crescente em torno da transição energética, que ganhou mais força com o retorno de Donald Trump, e sua preferência escancarada por petróleo, acaba interferindo nessas discussões.

Defensores das termelétricas aproveitam para criticar as renováveis e a intermitência na geração. Entusiastas das baterias pedem mais espaço para os equipamentos.

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O governo espanhol também tomou parte na narrativa. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, apesar de admitir que não tem uma explicação até o momento, rejeitou em declarações à imprensa que o problema tenha sido causado pelas renováveis e afirmou que a energia nuclear também falhou.

A comunicação nesses casos precisa ser técnica, transparente e ágil, para que apagões não se tornem trincheiras da guerra ideológica sobre a transição energética. Informação acessível é o que separa crise de pânico.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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