Novos riscos redefinem mapa dos investimentos em renováveis
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A entrada expressiva de fontes renováveis intermitentes nos últimos anos, como eólica e solar fotovoltaica, tem mudado o perfil dos novos investimentos no setor elétrico brasileiro. Segundo análise da Thymos Capital, se antes a localização de um projeto era determinada pelo potencial de geração, o que favorecia o Nordeste, atualmente os desenvolvedores buscam regiões com menor risco de cortes forçados (curtailment) e descolamento de preços entre submercados, ou seja, preços de referência diferentes entre as regiões.
Apesar dos gargalos de transmissão, o norte de Minas surge como alternativa mais viável que o Nordeste para novos projetos solares. Já o Sul, mesmo com ventos menos intensos, sofre menos com cortes de geração e distorções de preço.
"Notamos que os critérios para avaliação de projetos renováveis estão mudando profundamente. Empresas que desejam manter sua competitividade precisarão rever suas estratégias, identificando regiões e soluções capazes de mitigar os impactos do curtailment, do descolamento de preços e da modulação horária. O setor não vai parar, mas os investimentos seguirão um novo caminho, com mais complexidade e exigência de planejamento estratégico", disse André Fonseca, diretor-geral da Thymos Capital, braço de assessoria financeira da consultoria Thymos Energia.
Cortes forçados entram nos modelos de risco
Cada vez mais presente nas discussões do setor elétrico, curtailment se refere aos cortes forçados de geração determinados pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), órgão responsável por coordenar e controlar a operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Brasil.
Os cortes podem acontecer por limitações na rede de transmissão, que não consegue, em vários momentos, escoar toda a energia gerada, ou ainda por questões de confiabilidade da rede. O curtailment também é causado por razões "energéticas", quando a geração supera a demanda.
Esses cortes ficaram mais intensos nos últimos dois anos, e os geradores eólicos e solares estimam um impacto de R$ 2 bilhões em custos relacionados à geração frustrada, cenário que deve permanecer até 2028 a 2030, quando reforços estruturantes na rede de transmissão entrarão em operação e permitirão um maior escoamento da energia gerada no Nordeste para onde o consumo se concentra, no Sudeste/Centro-Oeste.
Descolamento de preços e modulação da solar
Este ano, outro risco veio à tona para pressionar as renováveis: o descolamento de preços entre submercados. O PLD (preço referência do mercado spot de energia) das regiões Norte e Nordeste está significativamente mais baixo que o preço do Sudeste/Centro-Oeste e Sul. No mercado de energia, a geração é sempre liquidada no submercado em que é gerada, e o vendedor precisa comprar energia no submercado em que está o consumo.
Hoje, o PLD do Nordeste e do Norte está em R$ 58,60/MWh, Sudeste e Centro-Oeste em R$ 222,07/MWh e Sul, R$ 244,11/MWh
"Esse descasamento traz impacto, principalmente, a geradores situados no Nordeste que venderam energia para consumidores no Sudeste, obrigando-os a liquidar em um submercado e recomprar energia em outro a preços significativamente mais altos", disse André Fonseca.
O risco tende a ser incorporado no preço da energia renovável, o que reduz a atratividade de novos contratos e trava investimentos.
Segundo a Thymos Capital, até 2028, quando está prevista a entrada em operação de novas linhas de transmissão com capacidade adicional relevante para o escoamento de energia do Nordeste para o Sudeste, há tendência de descolamento mais acentuado de preços entre esses submercados, especialmente nos primeiros meses de cada ano. Em 2025, o descolamento de janeiro a abril chegou a um valor médio de R$ 133/MWh. Para os próximos anos, a consultoria prevê a repetição desse comportamento, com valores que poderão variar conforme as condições hidrológicas observadas.
Os empreendedores da fonte solar tem um desafio adicional: a modulação horária. Como há uma quantidade cada vez maior de painéis solares gerando energia ao mesmo tempo, há um cenário de sobreoferta no pico do dia. O Brasil não tem preços negativos de energia elétrica, como outros países, o que limita o impacto, mas ainda assim são projetos que têm mais dificuldade em fazer uma entrega "flat" de energia elétrica aos consumidores, ou seja, constante 24 horas por dia, 7 dias por semana.
"Os contratos exigem entrega uniforme, mas fontes como a solar geram apenas durante o dia. Este cenário o obriga o gerador a vender o excedente em horários que, muitas vezes, apresentam preços baixos e a recomprar energia no período noturno, a valores muito mais altos, sobretudo durante o segundo semestre que compreende o período de secas", disse Fonseca.
Desaceleração da expansão
Combinados, esses efeitos devem desacelerar investimentos em renováveis, pelo menos no curto prazo. Segundo a BloombergNEF, 2025 deve ter um incremento de 2,7 GW em eólica, depois de atingir um pico de 5 GW em novos projetos em 2023. O ciclo de baixa, reforçado ainda por questões macroeconômicas, como o aumento da taxa de juros, deve começar a ser revertido em 2029, quando o segmento deve voltar a crescer, até atingir 5,2 GW em novos projetos entrando em operação em 2031.
A fonte solar, pelo menos na geração centralizada (diferente da geração distribuída, que inclui os painéis nas residências), também deve sofrer os impactos do cenário desfavorável. Segundo o Plano Decenal de Expansão (PDE) 2034, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal de planejamento do setor de energia, a capacidade instalada de solar deve crescer marginalmente até 2027, quando vai passar por um período sem nova expansão até retomar o crescimento em 2030.
Tecnologias de armazenamento, como baterias, são apontadas como solução futura para suavizar esses efeitos, mas ainda têm custo elevado sua inserção no setor deve demorar alguns anos para ganhar força.
Até lá, o setor segue pressionado a equilibrar ambições climáticas com realismo operacional, enquanto investidores mapeiam riscos e o governo tenta acelerar reforços na infraestrutura.
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