MP abre mercado de energia e incomoda grandes consumidores
Ler resumo da notícia

Em 2002, quando venceu sua primeira eleição, o presidente Lula defendia acabar com o então iniciante mercado livre de energia. Mais de 20 anos depois, foi o mesmo Lula, agora em seu terceiro mandato, quem assinou a Medida Provisória (MP) 1.300, que garante a abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores a partir de dezembro de 2027.
A mudança não indica uma alteração nos princípios econômicos do governo, mas sim que viram potencial para redistribuir benefícios e ampliar o consumo das classes mais pobres, ainda que isso gere críticas dos que podem sair perdendo e levante dúvidas sobre os efeitos econômicos.
A maior vitrine social da MP ainda é o aumento da tarifa social de energia elétrica, com gratuidade para cerca de 4,5 milhões de famílias que consomem até 80 kWh por mês, têm renda per capita de até meio salário mínimo e estão cadastradas no CadÚnico.
Quando a reforma foi apresentada ao presidente pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e técnicos da pasta, Lula surpreendeu ao ver com bons olhos também a abertura do mercado para todos os consumidores de energia elétrica.
Quem pode comprar no mercado livre de energia?
Hoje, apenas os consumidores conectados diretamente na rede de alta tensão, como indústrias e comércios de grande porte, podem escolher de quem comprar a energia elétrica. Além disso, contam com benefícios que não estão disponíveis aos consumidores de baixa tensão, inclusive os residenciais.
O consumidor livre que compra energia renovável classificada como incentivada tem desconto na chamada "tarifa fio", que paga pelo uso da rede de transmissão. Esse mesmo consumidor pode ainda se tornar sócio de um projeto de geração, mesmo que com uma fatia minoritária, num arranjo societário que garante isenção de encargos que representam peso relevante na conta de luz.
Sob o argumento de promover isonomia a todos os tipos de consumidores de energia, a MP ataca esses e outros benefícios. Isso significa rever isenções e redistribuir encargos que, hoje, estão desigualmente concentrados nos consumidores cativos — nome técnico aos que são atendidos necessariamente pelas distribuidoras e continuam pagando a conta cheia, com encargos setoriais, tarifas mais altas e a responsabilidade por contratos antigos firmados pelas distribuidoras.
Pela proposta, custos hoje exclusivos dos cativos — como os das usinas nucleares Angra 1 e 2 e os subsídios pagos às distribuidoras pela micro e minigeração distribuída (MMGD)— passam a ser compartilhados também pelos consumidores livres.
A MP também altera o rateio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo setorial cujo orçamento em 2025 deve superar R$ 50 bilhões, e que em 2037 passará a ser dividido igualmente entre baixa e alta tensão.
Os impactos na indústria
O argumento da indústria é que a mudança onera o setor produtivo, com impacto negativo na economia. Segundo a consultoria Volt Robotics, o consumidor livre de alta tensão terá um aumento de custos que pode chegar a 20% dependendo da sua localização e do volume de energia elétrica contratado.
O governo vê de outra forma. Hoje, há 462 mil consumidores classificados como industriais, sendo que 58 mil estão na alta tensão. É nas 404 mil indústrias da baixa tensão que Lula pensou ao celebrar a abertura do mercado.
É um plano complexo, e a forte resistência do setor ajuda a dimensionar seus impactos.
O setor industrial, que historicamente defendeu o mercado livre como sinônimo de eficiência, vê nessa proposta uma ameaça à competitividade. A crítica é de que o consumidor livre pode perder muito, enquanto o cativo, em contrapartida, pode ganhar pouco.
A defesa da MP parte da premissa de que, se todos vão poder ser livres, não há razão para manter desigualdade de condições.
As mudanças incomodam
A indústria não é o único segmento incomodado com as mudanças propostas. O setor de geração renovável contesta o fim do desconto da fonte incentivada e as mudanças na autoprodução, e para isso recebe apoio de políticos do Nordeste, onde o desenvolvimento das renováveis ajudou a gerar muito emprego e renda nos últimos 15 anos.
Há ainda o entendimento que o governo selecionou os privilégios que deveria endereçar pela MP. Deixou de fora, por exemplo, a micro e minigeração distribuída (MMGD), que hoje serve como alternativa para consumidores de baixa tensão que tenham condições de investir nos próprios painéis solares. Esse consumidor também é subsidiado pelo que não têm a geração própria, e a MP não alterou essa regra.
Enquanto o governo tenta vender a reforma como um passo para justiça tarifária, o setor debate seus próprios limites. O resultado dessa disputa, e a tramitação dessa MP, que recebeu 598 emendas, vão dizer se o Brasil está diante de uma reorganização real do setor ou se será apenas mais uma tentativa frustrada de reforma que preserva privilégios históricos.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.